Tom(b)o

João Mendonça
2 min readOct 18, 2021

Era um gigante gentil que, ao se levantar, quebrava as coisas. E, de um jeito desengonçado, ia se derramando pelos ambientes. Se espalhando por aí. Um amor que não cabia no leito em que dormia, não havia cobertor que o protegesse todo do frio. Braços maiores do que se previa, que envolviam tanto, além da largura dos ombros. Hoje, ele se mexe, treme a cama, mas continua dormindo. Não se assusta mais com o que sonhou. Sabe aquela sensação de queda? Não tem mais. Descansa os músculos que andavam trêmulos, memória de um beijo que vibrava os lábios. Quando de olhos fechados, o tempo passa rápido fugindo da pretensa rotina que quer nos pegar. Um espasmo, um resmungo, fala algo inaudível e volta a respirar profundo.

Um gigante que cabe nas linhas. De uma história breve que ficou suspensa no marca páginas daquele livro que ficou por ler. Na estante, no alto. A gente puxa, quer reler. Ele acaba desorganizado os outros e tombando os volumes em dominó, um triângulo pontiagudo e vazio. Entre a Noite dos Abraços e o Jóquei. Para onde estou indo? pergunte ao cavalo.

Marcado. Com anotações a lápis e sobreposições de marca-texto não consigo ler. São outros olhos e estes olhos insistem em repassar o que anotei.
Por maior que seja, cabe em uma página ou duas por ser desenho. Mesmo com a linha da costura denotando espelho, refletindo sei que ainda ocupa. Lá e cá. Cabe neste tomo o tombo de um gigante, cabe nessa estante, cabe nesse cômodo. Levanto-me. E, ao sair, apago a luz esperando que ainda caiba.

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João Mendonça

Onde eu for escrito como abreviatura quero ser lido por intenso.