Passa

João Mendonça
3 min readJan 31, 2019

Talvez o compadre nunca tenha provado tamanha iguaria.
Entre os que usaram melhor a cuca, corre à boca pequena
que a beleza está simplicidade. Pois saiba que de onde vem meus avós,
assim começam os dias. Simples. Por isso, sincero lhe pergunto:
Já tomou café feito em sítio?

Aviso de antemão que o gole desce quente,
temperatura de comichão. O que, aliás,
é mais uma delicadeza do nosso feitio.
Palavras como “comichão”.

Um calor que só se extrai da lenha, do estalo
seco da fibra, abrigada e acolhida naquele pequeno fogão.
Parece contradição, mas né não. Pense um bocado comigo:
Que seria do fogo recebendo a água de supetão, senão cinza e vapor?
Quando a gente aproxima mansinho, pertinho, acontece
o que todo corpo já sabe bem: calor. Tem astuto argumentando
que é ciência, este matuto lhe prova, é vivência.

Querência. Eta! Que vontade de dizer que é um bem querer.
Mas, confunda não. É nada mais que amar este chão.
Sabe moça, já se fez mais poemas sobre o mar do que as folhas
e flores deste jacarandá. Eles diz que não encontra um tal de lirismo
no nosso jeito de falar, e de tanto andar por aí — digo e afirmo —
só quem é da terra sabe o que é errar. Errante como cheiro fresco
de flor, a gente se espalha, semeando um pouco da gente em cada olhar.

Tava mesmo falando do café. Veja bem, a gente não se atrapalha.
Sabe que grão tá ali bem pertinho de grande no dicionário.
Reconhece a grandeza de sorver do grão o que demos a ele: paixão.
Ouvi de uma galega que ponteou por essas bandas que, longe daqui,
se sente com o coração. Sei não, o que senti sempre foi com a mão.
A pétala, o cabo madeira, pele, sal, suor, a folhagem, até mesmo a paisagem.

O que tá à distância dos olhos é vislumbre. O que tenho para mim,
de verdade, tenho na lonjura de um braço. Inté mesmo a aspereza
da corda que cela o cavalo que galopa passo largo neste peito vasto
de saudade.

Venha cá, escute. Existe, que você saiba, palavra mais deliciosa
que “quitute”? Se existe, certeza de que não foi minha morena que faz.

Moça, já li muito destes livros coloridos. Acabo descobrindo outro tom
de marrom. E eu vou lhe mostrar por que isso é bom. Daqui eu percebo
que muito caboclo se perde nos matiz, caçando cor. Aprendi com os autor
que o segredo tá nas nuances, nos contraste. Nos contraste.
Já me explicaram que é luz e sombra. Amor é isso, noite dia noite dia.
Né lápis de cor não.

Tem que provar uma xícara, dessas torneadas à mão num dia. Pretensão, né mesmo? Moldar as voltas que o barro dá. Mas fica tão bonito, seô moço não acha? Moça aceita também.

Senhorita dá licença de perguntar: Já amou alguém?
Penso ser como o último gole, esquenta peito, acorda sentido
e na borra tem futuro. Perdoa o falatório, é dessas coisas que penso
no escuro. Já vai? Fica um pouco. Quem vai, quanto mais rápido,
mais poeira levanta. Só lembra o pó de onde vem. Assim vê quem fica.
Porém, quem anda saboreia o gosto do chão em cada passo, guia pelo canto do sanhaço que conhece em que pé canta. Dois lados: Chegada e partida. Deixa, mais simples. Tocar a lida, Tomar a vida.

Mais um pouco?

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João Mendonça

Onde eu for escrito como abreviatura quero ser lido por intenso.